segunda-feira, 28 de julho de 2008

Eu sou um crente "frio"

Querido leitor, confesso que este texto não trará nada de novo a você, mas preciso desabafar. Estou triste com uma colocação a meu respeito que ouvi esse final de semana. Conversando com uma amiga, ela me disse, que alguém disse pra ela (isso mesmo, a pessoa não falou diretamente pra mim) mais ou menos assim: “O Rodrigo é um crente frio, sei lá, ele é muito crítico, parece que tem medo de se entregar e expressar algum sentimento, não quero julgá-lo né, pois não sei como é a vida dele com Deus no íntimo...”

Eu cometi o erro de tentar me defender expondo um pouco de minhas obras e práticas devocionais no afã de mostrar que não sou um crente frio. Mas do que adiantaria esse meu esforço fútil, se eu não estava falando direto com o meu acusador ou acusadora? E mesmo que eu estivesse, faria alguma diferença? Creio que não! Essa situação me levou a pensar em minha espiritualidade e no meio eclesiástico em que estou inserido.

--> “o Rodrigo é um crente frio” – quais são os parâmetros utilizados para designar alguém de frio ou quente? Em algumas denominações não é sua conduta ética ou comprometimento com a obra que conta, mas o que você fala e a altura que fala. Nos cultos, não costumo dar “Glórias a Deus, Aleluias” em tom de voz elevado, línguas estranhas muito menos (1Co 14.19). Apesar de ser uma pessoa extrovertida e comunicativa não tenho por hábito “berrar” ou “glorificar alto” quando ouço uma proposição do púlpito ou ouço algum hino que me edifiquem. Por falar em hinos, não gosto desses hinos triunfalistas que ensinam teologia da prosperidade e iludem os fieis de que eles são as vítimas, e tudo de errado que acontece na vida deles é culpa do diabo. Prefiro canções, que exalta a Deus simplesmente por ele ser salvador e sustentador. Mas nem sempre ouço esses hinos onde congrego, quando são cantados, me alegro, e, externamente esboço um sorriso. Esse é o meu jeito, é dessa forma que vivo meu relacionamento com o sagrado. E assim como respeito aqueles que berram e se sacodem, quero ser respeitado.

--> “ele é muito crítico” – com certeza sou, e a bíblia assim me ensina (os Profetas, Jesus, Paulo, os crentes de Bereia, etc.). Não sou um ouvinte passivo, que abre a cabeça e permite que “qualquer coisa” entre e seja tido como verdade indiscutível. Até mesmo quando prego ou leciono, procuro desenvolver essa dinâmica: “Irmãos, sejamos como os crentes de Bereia, que analisavam cada palavra que Paulo falava, e se Paulo corria o risco de errar, imaginem eu”.
Sou um analista do meio em que vivo, e quando detecto algo que julgo não ser adequado, exponho minha opinião e gosto de conversar a respeito, pois posso aprender uma verdade bíblica antes obscura para mim ou ensinar a correta interpretação de um texto bíblico. Gosto de dialogar! Discutir idéias e conceitos! Pensar!
Desprezo discursos enlatados e fórmulas prontas que são utilizados para domínio das massas. Não gosto de hinos em ritmos caipiras que só sabem falar de Deus como uma espécie de “escravo”, que atende cada uma de minhas vaidades e luxúrias, dessa forma fica difícil me “entregar” e “expressar algum sentimento” nesse contexto.

--> “não quero julgá-lo né, pois não sei como é a vida dele com Deus no íntimo” – é normal sermos julgados e julgar, somos constantes réus e juizes nos tribunais da vida. Por isso não culpo essa pessoa, afinal, em muitos contextos pentecostais a espiritualidade é medida por decibéis, onde aquele que fala mais alto é o mais espiritual e quente.

Eu não irei mudar minha espiritualidade para fazer parte dos “quentes” ou para ascender ministerialmente, não venderei a minha alma à hipocrisia.
Pode parecer que não estou feliz com a minha congregação, mas não é verdade, tem virtudes e defeitos como qualquer comunidade cristã, então não tem porque mudar. Lá encontro pessoas tementes a Deus, comprometidas com a sua obra. Pessoas que como eu, querem firmar raízes e ser relevante no reino de Deus. Sempre será assim, uns ficam na arquibancada olhando o jogo acontecer apontando o dedo, outros estão no campo fazendo algo, sujeitando-se a críticas e ofensas, elogios e incentivos, errando e aprendendo. Eu estou no campo!


Fico feliz em saber que Deus é meu juiz, Cristo meu advogado e o ES meu consolador.
Quem sabe essa pessoa esteja mesmo certa e eu seja de fato um crente frio. Pois preciso orar mais, ler mais a Bíblia e não somente livros que falem dela, amar aqueles irmãos que não me dão nada em troca, ter mais momentos de solitude, enfim, ser mais cristão!

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Porneia na compreensão de Paulo - parte 2

Paulo é hostil a porneia porque em seu entendimento é a distorção do relacionemnto sexual, como, sodomia, fornicação, prostituição, adultério, incesto, etc. Isso não quer dizer que seja contra a relação sexual, pelo contrário, é a relação sexual entre marido e mulher, que pode banir a porneia (1Co 7.1-7). Paulo é contra o abuso do sexo, a imoralidade sexual. A inconstância na moral sexual dos coríntios é contextada pelo apóstolo, pois este, se manteve firme aos princípios de sua educação judaica, que afirmava que o “desejo” pode rapidamente corromper-se em concupiscência. Isso é uma avaliação realista do instinto sexual, uma força para criar vida e amalgamar relações (1Co 7.3-5), mas também uma força capaz de corromper e destruir.[1]

Alguns dentre os coríntios, devido a influência helênica, justificavam a prostituição como alívio e prazer sexual, onde, alimentar-se e relacionar-se sexualmente não havia diferença, visto que ambas as atitudes são para satisfação de necessidades básicas (1Co 6.12-14). Para Paulo, tal conduta é inaceitável para os cristãos, pois tal complacência rapidamente escravisa (6.12) e não é compatível com a vida como membro de Cristo, pois não há como ser membro de Cristo e de prostituta simultaneamente.

2 UM OLHAR PARA ATUALIDADE

2.1 Os meios de comunicação de massa

A porneia segundo a compreensão de Paulo, também está presente nos dias de hoje e propagada pelos meios de comunicação em massa, pode-se dizer que vivemos num mundo pornificado.[2] Carlos Tadeu, vulgo “Catito” relata em seu livro: [3]

Sentei-me outro dia diante da televisão para assistir ao noticiário. Surpreendi-me ao ver que uma significativa parte do programa foi gasta na discussão da iniciativa de uma líder do MST (Movimento dos Sem-Terra) de pousar nua para fotos da revista Playboy! Fiquei pensando no sentido que tinha aquela discussão – seria uma estratégia de marketing da revista, promoção do MST, autopromoção da moça? Em suma: gastar quase 5 minutos de horário nobre para uma notícia tão insólita como esta deveria ter algum sentido. Mas não tinha! Quantas notícias veiculadas em horário nobre têm caráter sexual e um fundamento absurdamente insólito.

Os meios de comunicação têm sido utilizados para transpor barreiras, inclusive a da privacidade, isso gera patologias, em especial, na esfera da sexualidade, com a proliferação de sites pornográficos[4] veiculando e estimulando bestialidades e promiscuidades sexuais.[5] Diante dos meios de comunicação de massa, não pode-se tomar uma postura ingênua, pois esses, aos poucos, vão moldando os conceitos sobre sexualidade, tanto de adultos quanto de crianças. As cenas de nudez[6] nos comerciais, filmes (até mesmo na “sessão da tarde”), telenovelas, talk-shows [7] e inúmeras cenas de relações sexuais, insinuações de incesto e violência sexual perpassam a “telinha” dos lares, gerando com certeza, nos jovens e crianças, a idéia de que o sexo é algo banal, vulgar e “utilizável” só para o proveito pessoal. Com toda certeza, os meio de comunicação são “lavadores de mentes” no que diz respeito a sexualidade em nossos dias.[8] Pode-se dizer que a porneia penetra nas diversas camadas sociais através dos meios de comunicação de massa, transformando o sexo numa prática extremamente egocêntrica e utilitarista, e não mais uma expressão de carinho e compromisso.[9] O psicólogo Ageu Lisboa emprega um termo interessante para se referir a influência da mídia sobre as pessoas: Mid-idiotização! Ele afirma que:

Em novelas e romances vendidos nas bancas, nos programas de televisão para o público adolescente ou mesmo para o grande público, há um claro incentivo a qualquer forma de expressão da sexualidade. [...] É a cisão sem sofrimento nem culpa entre sexo e afeto. Atitude utilitária. [...] Um fato que choca a consciência e os valores de uma civilização podem ser trabalhados num estúdio de Hollywood [...] o resultado é um belo filme com uma trilha musical bem produzida, atores e atrizes irresistivelmente charmosos e um roteiro sentimentalmente envolvente, que pode criar uma adesão emocional ao que era primariamente repugnante. Mais dois filmes e depoimento de gente rica e famosa que viveu algo assim, como nos filmes e pronto! A resistência das consciências no plano coletivo vai diminuindo. Assim todos os interditos e limites vão sendo glamourizados e suprimidos. [10]

O que Lisboa esboça nas palavras acima é uma verdade lamentável, ainda que ele não diga nenhuma novidade, ao lermos suas palavras atentamos para essa realidade muitas vezes esquecida, ou melhor, ignorada, afinal já estamos tão acostumados, quem sabe até mid-idiotizdos!


2.2 As conseqüências da porneia

Rompendo sua relação com a pessoa (soma-corpo), o sexo torna-se insensivelmente uma mercadoria de consumo (porneia-imoralidade sexual). Essa instrumentalização percebe-se no fenômeno do erotismo e da pornografia, tal como ele é vivido atualmente em muitos meios.

Nessas condições, é natural que o sexo já não seja mais vivido como um compromisso da pessoa e sim como uma forma de entretenimento e diversão, como se tratasse de uma brincadeira infantil. Alguns sociólogos contestaram o fato de que, em uma sociedade tão sexualizada, a prostituição tenha diminuído, contrariamente ao que seria de se esperar. No entanto, é simples a explicação do fenômeno: o papel antes representado pela prostituta é agora desempenhado pela companheira. A facilidade e a frequência das relações sexuais variadas diminui a necessidade do prostíbulo.[11]

A conseqüência desse liberalismo sexual é um profundo sentimento de vazio e decepção. É relacionamento sexual reduzido ao genital e ao egoísmo, constituindo-se na instrumentalização do parceiro, ou seja, o que foi criado para ser fonte de prazer e satisfação mútua passa a ser fonte de desespero e mediocridade. O outro se torna um objeto para que eu satisfaça meus desejos egoístas, que na maioria das vezes está mascarado com a frase: Eu te amo!




2.3 Um olhar de Paulo para atualidade.

Para o apóstolo, a sexualidade compromete a fundo a pessoa. A orientação do apóstolo aos coríntios é oportuna para a atualidade. Ainda que a porneia tenha ganhado novas expressões conceituais, com o advento dos meios de comunicação em massa, o ser humano não mudou, continua tendo a mesma estrutura constitutiva, é soma, e nessa condição, ainda hoje, pode-se tornar escravo da porneia.
É necessário ressaltar, que não se trata de antipatia a toda atividade sexual como tal. Pelo contrário, Paulo expõe sua apreciação realista à força do desejo sexual em 1Co 7.9 – “... é melhor casar-se do que ficar abrasado” (BJ). Inclusive, suas afirmações das mútuas responsabilidades conjugais (7.3-4) eram progressivas para a época. “Não menos digno de nota é o fato de que em 7.5 é a abstinência sexual forçada que dá a Satanás oportunidade de tentação, e não as delícias do leito conjugal.”[12] Ao ver toda essa revolução sexual da atualidade, o apelo de Paulo não seria diferente: “Fugi da porneia”; “Glorificai pois a Deus com vosso corpo” e quem sabe acrescentaria: “Casamento é o único contexto apropriado para a atividade sexual plena e feliz”.


2.4 O que aprendemos com tudo isso

Aprendemos que relação sexual desprovida de amor e promovida pelo egoísmo é porneia, e nessa condição, é pecado. Relação sexual é tornar-se uma só pessoa com o parceiro. Por isso essa ligação íntima somente pode ser concretizada quando pessoas realmente desejam tornar-se “uma só pessoa”, e o tornar-se uma só pessoa na Bíblia sempre acontece em contexto de responsabilidade, quando o homem assume a responsabilidade de cuidar da mulher, de constituir com ela uma família, quando o intercurso sexual acontece fora desse contexto é desaprovado, é imoral.
Em nossos dias é no casamento que existe esse compromisso de união. Por isso nós cristão nos abstemos da relação sexual durante o namoro e o noivado, pois essas primeiras fazes são para conhecermos o outro, sua família e tomarmos a decisão de firmar ou não o compromisso. Tomada a decisão começam os preparativos para o casamento, onde ambos assumem responsabilidades e podem desfrutar das bênçãos da vida sexual. Nesse contexto estão honrando seus corpos enquanto templo do Espírito Santo.
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[1] DUNN, James. A teologia do Apóstolo Paulo. São Paulo: Paulus, 2003. p.776.
[2] O material pornográfico movimenta nos EUA, segundo a revista Veja, 7 bilhões de dólares ao ano. No Brasil, ainda não se divulgou nada a respeito. Revista Veja apud. Intrigantes, Ultimato, Viçosa, n. 308, p. 18, set/out, 2007. Análise interessante sobre a pornificação da sociedade encontra-se na obra de PAUL, Pamela. Pornificados: como a pornografia está transformando a nossa vida, os nossos relacionamentos e as nossas famílias. São Paulo: Cultrix, 2006. Ainda que o contexto da autora seja norte americano, os efeitos da pornografia não diferem muito entre norte-americanos e tupiniquins.
[3] GRZYBOWSKI, Carlos Tadeu. Macho e fêmea os criou: celebrando a sexualidade. Viçosa: Ultimato, 1998. p. 27-28.
[4] “Hoje é praticamente impossível discutir pornografia compulsiva sem falar da Internet, não raro etiquetada como o crack ou cacaína da obscenidade”. PAUL, Pamela. Pornificados: como a pornografia está transformando a nossa vida, os nossos relacionamentos e as nossas famílias. São Paulo: Cultrix, 2006. p. 204. Um estudo realizado pelo Senado norte-americano mostrou que a pornografia na Internet pode ser mais viciante do que o crack ou a cocaína. Disponível em Acesso em: 03 maio 2007.
[5] LISBOA, Ageu H. Sexo: desnudamento e mistério. Viçosa: Ultimato, 2001. p. 14.
[6] “Nunca as mulheres foram tão nuas no Brasil; já expuseram o corpo todo, mucosas, vagina, ânus. O que falta? Órgãos internos? Que querem essas mulheres? Querem acabar com nossos lares? Querem nos humilhar com sua beleza inconquistável? [...]” JABOR, Arnaldo. Os homens desejam mulheres que não existem. Disponível em: Acesso em: 03 maio 2007.
[7] Aqueles programas de auditório, que geralmente passam domingo a tarde.
[8] GRZYBOWSKI, Carlos Tadeu. Macho e fêmea os criou: celebrando a sexualidade. Viçosa: Ultimato, 1998. p. 29. Até mesmo nos games, como Máfia, têm-se apelos pornográficos através da prostituição e sensualidade. Nessa direção, o psicólogo Ageu Lisboa, dedica todo um capítulo de seu livro. LISBOA, Ageu H. Sexo: desnudamento e mistério. Viçosa: Ultimato, 2001. p. 41-47.
[9] GRZYBOWSKI, Carlos Tadeu. Macho e fêmea os criou: celebrando a sexualidade. Viçosa: Ultimato, 1998. p. 119.
[10] LISBOA, Ageu H. Sexo: desnudamento e mistério. Viçosa: Ultimato, 2001. p. 57;59.
[11] AZPITARTE, E. López. in: ORDUÑA, R. Rincón. Práxis Cristã II: opção pela vida e pelo amor. São Paulo: Paulinas, 1983. p. 257.
[12] DUNN, James. A teologia do Apóstolo Paulo. São Paulo: Paulus, 2003. p. 160.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

A MORTE DO CORINGA



Vamos dar uma pausa no assunto Porneia em 1Co 6.12-20 para falar de um projeto evangelístico que começa amanhã nas salas de cinema aqui de Joinville.
Conseguimos apoio e foram impressos 5.000 panfletos sobre a Morte do Coringa, onde faço uma reflexão sobre a morte do ator Heath Ledger, o Coringa em O Cavaleiro das Trevas.


Contamos com vossas orações


o texto encontra-se ao lado... --> -->

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Porneia na compreensão de Paulo


Imoralidade Sexual: a compreensão de Paulo a luz de 1Co 6.12-20


1Co 6.12-20 (tradução própria a partir do texto grego)

v. 12
· Todas as coisas para mim são lícitas, mas nem todas as coisas são proveitosas. Todas as coisas para mim são lícitas mas eu não serei escravizado por coisa nenhuma.
v. 13
· Os alimentos são para o estômago e o estômago para os alimentos, mas Deus tanto este quanto aqueles destruirá. Mas o corpo não é para a imoralidade sexual mas para o Senhor, e o Senhor para o corpo;
v. 14
· e Deus tanto ressuscitou o Senhor quanto nos ressuscitará pelo seu poder.
v. 15
· Não sabeis que os vossos corpos são membros de Cristo? Tomando pois os membros de Cristo farei membros de prostituta? De modo nenhum!
v.16
· [Ou] não sabeis que aquele que se une a prostituta um só corpo é? Pois serão, dizem, os dois uma só carne.
v.17
· Mas aquele que é unido ao Senhor um só espírito é.
v.18
· Fugi da imoralidade sexual. Todo (outro) pecado que uma pessoa fizer é exterior ao seu corpo; mas o que pratica imoralidade sexual peca contra o próprio corpo.
v.19
· Ou não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo o qual tendes de Deus, e não sois de vós mesmos?
v.20
· Pois fostes resgatados por preço; glorificai pois a Deus com vosso corpo.

Nesse texto a palavra concatenante é com certeza o conceito de corpo, gr. soma, seguido do termo porneia. O termo soma/derivados, aparece oito vezes no texto e porneia/derivados cinco vezes. Para o apóstolo Paulo soma não significa somente o corpo enquanto matéria, um aglomerado de células, mas a pessoa como um todo. Veremos isso mais adiante. Na relação sexual o ser humano empenha seu ser pessoal, não podendo igualar isso ao alimentar-se.
Observando atentamente ao texto, tem-se a seguinte disposição:

Ø v. 13 Paulo é enfático: o soma não é para a porneia, mas para o Senhor.
Ø vv. 15-17 o soma é membro de Cristo, por isso não pode ser membro de prostituta.
Ø v. 18 a ordem é somente uma: Fugi da porneia, pois ela afeta diretamente o soma.
Ø vv 19-20 o soma é templo do Espírito Santo, logo, deve-se glorificar a Deus no soma.
Ao olharmos os títulos que algumas traduções da Bíblia para a língua portuguesa dão a esse texto, podemos notar bem o esquema acima apresentado. Por exemplo:

Bíblia de Jerusalém (BJ) Ø Fornicação
Nova Tradução na linguagem de Hoje (NTLH) Ø Uso do corpo para a glória de Deus
Almeida Revista e Atualizada (ARA) Ø A sensualidade é condenada
Nova Versão Internacional (NVI) Ø O perigo da Imoralidade

Como já percebemos, Paulo emprega muito o termo porneia e o termo soma (corpo) nessa passagem bíblica, mas, o que realmente esses termos significam? Vamos explorá-los agora!


O que significa o termo porneia?

A preocupação do apóstolo Paulo em relação ao perigo emergente da porneia na vida dos seus convertidos, atesta-se no fato de que, das sete listas de vícios em Paulo, a imoralidade sexual aparece em cinco, figurando o primeiro lugar (1Co 5.10; Gl 5.19-21; etc.).[1] O termo porneia e seus cognatos, abarcam muitos conceitos no âmbito da sexualidade, porneia pode ser impureza,[2] imoralidade sexual, qualquer tipo de relação sexual ilícita, é também sinônimo de adultério. Segundo um pesquisador, porneia estigmatiza a decadência sexual do mundo helenístico.[3] Outro afirma que porneia cobre em seu campo semântico “toda faixa de relações sexuais ilegais”.[4] Muitas vezes o termo em análise é traduzido por prostituição, sendo que porneia é mais do que o tráfico comercial do sexo, é todo e qualquer desvio sexual, desde fornicação a adultério . [5] Paulo mostra que a porneia não tem parte no reino de Deus, que o cristão é o templo do Espírito Santo e seus membros não podem ser entregues à imoralidade sexual, pois pertencem a Cristo (1Co 6. 15-16). [6]
Na cidade de Corinto, a vida sexual, com seu mistério da concepção e o seu êxtase arrebatador, era entendida como algo “religioso”, ou seja, a prostituição cúltica era prática comum entre os gregos, sendo que ninguém era censurado por visitar as sacerdotisas da deusa do amor, Afrodite. [7] Na cultura grega, a relação sexual era tão natural, salutar e justificável para o homem como comer e beber, isto é, “matar a fome e relacionar-se sexualmente era a satisfação de uma necessidade básica”. O adultério era permitido, sendo as escravas vulneráveis aos desejos sexuais dos seus senhores. Essas regras, que eram censuradas somente em casos de exagero, eram válidas somente para os homens.[8] Diante disso não surpreende o porque da porneia ter sido o primeiro caso ético com o qual Paulo se ocupa em Corinto (5.1-5)
A partir de 1Co 6.12-20 vamos perceber que “1 Coríntios tratou com uma igreja na qual as fronteiras não eram tão claras, na qual as questões éticas surgiram precisamente porque os crentes compartilhavam muitos dos valores morais da sociedade circundante...”.[9] Paulo é objetivo ao exemplificar que, ao freqüentar o templo de Afrodite, os crentes transformam os “membros de Cristo” em “membros de uma meretriz”, visto que, a relação sexual não pode ser comparada ao alimenta-se, pois é a união física de duas pessoas.


O que significa o termo soma?

O corpo é um termo central na antropologia de Paulo. A dificuldade na compreensão desse termo grego é que não existe um correspondente hebraico direto. No AT, o termo que possui envergadura teológica e no qual se embasa o pensamento paulino é o termo basar (carne).[10] No pensamento hebraico, que não é dualista, como o pensamento grego, enxerga-se a realidade como totalidade, onde “basar significa toda substância (realidade) vivente dos homens e dos animais organizada numa forma corporal”; “A idéia hebraica de personalidade [...] é a de um corpo animado, e não a de uma alma encarnada [...]. O ser humano não tem um corpo, ele é um corpo. Ele é carne-animada-por-uma-alma, sendo concebida a totalidade como uma unidade psico-física.” [11]
Com base nisso, pode-se então afirmar que para Paulo, soma tem um sentido de pessoa[12], onde a existência humana, mesmo na esfera do “espírito”, é uma existência corporal, somática. Logo, soma não é meramente um meio de expressão, mas a pessoa total.[13] Bultmann, um estudioso do Novo Testamento, afirma que o ser humano não tem um soma, ele é um soma.[14] James Dunn, outro respeitado teólogo, acredita que o conceito de corpo em Paulo é maior do que o de corpo físico, por isso sugere soma como corporificação de toda pessoa.

“Nesse sentido soma é conceito relacional. Denota a pessoa corporificada em determinado ambiente. É o meio para viver no ambiente, para experimentá-lo [...] soma como corporificação significa mais que mero corpo: é o ‘eu’ corporificado, o meio com o qual ‘eu’ e o mundo agimos um sobre o outro.”[15]

Segundo Dunn, o que chama atenção é distinção que Paulo faz entre o corpo atual e o corpo da ressurreição, onde na redenção não se tem uma fuga da experiência corporal, mas a transformação numa espécie diferente de existência corporal, não mais sujeita a corrupção e a morte.[16] A vida humana não acontece sem o corpo, tanto aqui quanto na eternidade. “Aliás, somente a partir da ressurreição do soma, torna-se compreensível, não só a reivindicação exclusiva do Senhor sobre o homem todo, como também a incompatibilidade de ser membro de Cristo e se unir à meretriz”.[17]

- excurso sobre a relação entre porneia e soma
É a essência e o significado do soma que tornam a pureza sexual necessária.[18] A porneia sempre é um pecado concernente ao soma.[19] O corpo é desonrado sobremaneira pelos pecados sexuais (Rm 1.24).[20] Em 1Co 6.12-20, onde Paulo utiliza soma oito vezes, fica claro que “eles mesmos – 6-14 (nós)” somos de Cristo, por isso condena a união com a prostituição, pois atos corporais indicavam a qualidade e o caráter de compromisso e discipulado. O soma é a “esfera concreta da existência, através da qual se leva a efeito o relacionamento do homem com Deus”[21] e “para Paulo não restam dúvidas: no soma e através dele Deus é honrado ou desonrado.”[22]


continua...
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[1] G. FITZER, pornei,a in: Exegetisches Wörterbuch zum Neuem Testament. Stuttgart/Berlim: Kohlhammem. Band 3., c.330.
[2] Ainda que impureza no grego seja akatharsia, impureza tipicamente denota imoralidade sexual. Cf. DUNN, James. A teologia do apóstolo Paulo. São Paulo: Paulus, 2003. p. 159.
[3] BORN, Van den. Dicionário Enciclopédico da Bíblia. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 1985 c. 724.
[4] DUNN, James. A teologia do Apóstolo Paulo. São Paulo: Paulus, 2003. p. 159.
[5] G. FITZER, pornei,a in: Exegetisches Wörterbuch zum Neuem Testament. Stuttgart/Berlim: Kohlhammem. Band 3., c.330.
[6] SCHULZ, S. HAUCK, F. pornei,a in: KITTEL, Gerhard, FRIEDRICH, Gerhard. Theological Dictionary of the New Testament. Abridged Edition. Grand Rapids, Michigan: William B. Eerdmans, 1985.
[7] BOOR, Werner de. Carta aos Conríntios: comentário Esperança. Curitiba: Esperança, 2004. p. 114.
[8] DUNN, James. op. cit., p.776. n.80.
[9] Ibid., p. 775.
[10] PUENTES REYES, Pedro A. O corpo como parâmetro antropológico na bioética. Tese de Doutorado. EST-INPG, Disponível em: Acesso em: 03 maio 2007. p. 72. Puentes ressalta que “a totalidade humana como materialidade, pó, corpo, não é em si fonte do pecado e do mal. [...] Em Paulo os aspectos negativos da existência humana se devem à sarx, a carne, e não ao soma, o corpo.” Ibid., p. 101.
[11] John A. T. Robinson. Loc. cit.
[12] Nunca de cadáver. Cf. DUNN, James. A teologia do apóstolo Paulo. São Paulo: Paulus, 2003. p. 86.
[13] WIBBING, S. corpo in:COENEN, L. BROWN, C. Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. 2 ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. p. 521.
[14] BULTMANN, Rudolf. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Teológica, 2004. p. 248.
[15] DUNN, James. A teologia do apóstolo Paulo. São Paulo: Paulus, 2003. p. 87.
[16] DUNN, James. op. cit., p. 92. Nesse sentido, entende-se o labor de Paulo em 1Co 15 afirmando a ressurreição do corpo. “A vida humana é inconcebível sem o corpo.” Cf. WIBBING, S. corpo in:COENEN, L. BROWN, C. Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. 2 ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. p. 522.
[17] WIESE, Werner. A importância da corporalidade na escatologia paulina: uma análise de textos paradigmáticos das cartas autênticas de Paulo. Dissertação de Mestrado. Sem. Teo. Batista do Norte do Brasil. Recife, PE. 1996. (Não publicado). p. 133.
[18] BOOR, Werner de. Carta aos Conríntios: comentário Esperança. Curitiba: Esperança, 2004. p. 114-115.
[19] BULTMANN, Rudolf. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Teológica, 2004. p.250-251.
[20] McKENZIE, John L. Dicionário bíblico. São Paulo: Paulus, 1983. p. 191.
[21] WIBBING, S. corpo in:COENEN, L. BROWN, C. Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. 2 ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. p. 522.
[22] WIESE, Werner. A importância da corporalidade na escatologia paulina: uma análise de textos paradigmáticos das cartas autênticas de Paulo. Dissertação de Mestrado. Sem. Teo. Batista do Norte do Brasil. Recife, PE. 1996. (Não publicado). p. 134.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Sobre a Morte


Este texto está amparado no livro Morte de JÜNGEL, Eberhard, São Leopoldo: Sinodal. 1980. p. 42-94.


O MISTÉRIO DA MORTE – a morte do pecador – A Bíblia não esconde o horror da morte, inclusive ela é o salário do pecado. Contudo o conceito de morte não é comum a toda Bíblia, não há unanimidade. A morte de Jesus Cristo no relato neotestamentário desencadeia uma compreensão diferente de morte daquela apresentada no relato véterotestamentário. Mas esse fato também é sinônimo de profunda unidade entre os relatos, pois em Cristo acontece algo com a própria morte.

a morte no AT – o homem hebreu via na morte a ameaça a vida. Mas a morte só ganha espaço quando o assunto é vida, pois a vida é dom supremo de Deus. Deus é o doador da vida, a fonte da vida (Sl 36.10). Deus é quem determina o tempo de vida, ou seja, a vida como dádiva não é propriedade do vivente. Isso não é uma deficiência antropológica, é simplesmente o fato de que o homem, subtraído de si mesmo, não pode relacionar-se consigo mesmo sem já sempre estar relacionado com Deus. Os israelitas ao longo da história desenvolveram a certeza de que a morte podia ser superada a partir da relação com Deus. Porém se tem clareza que a morte é o destino de todos, e no AT, os mostos não descem somente a sepultura, eles também vão ao sheol, uma região que fica embaixo, onde o morto permanece nessa condição até mesmo na eternidade (Jó 14.12). Israel não encara a morte como sendo um poder ilimitado, pois ela está subordinada ao poder de Deus. A morte é estranha a Deus, os mortos não louvam a Deus, por isso a aceitação da finitude do homem conduz a fé de Israel à estimação da vida. Viver no AT é ter um relacionamento, e tudo o que atrapalha essa relação é tido como pecado, onde a morte é o resultado final dessa tendência ao não relacionamento.

a morte no NT – enquanto a esperança da ressurreição dos mortos aparece apenas na margem do AT, no NT é largamente difundida, baseando-se na certeza de que Deus triunfou sobre a morte. Jesus Cristo é a prova disso, tanto que depois da sepultura vazia, morte e vida ganham uma nova relação, determinada por Cristo, que é Senhor dos vivos e dos mortos. Contudo, a vida ainda é mais valorizada e a morte não deixa de ser a visibilidade do pecado (Rahner).

A MORTE DE JESUS CRISTO – a morte de Jesus, a paixão de Deus – até que ponto a morte de Jesus Cristo determinou a vida dos cristãos? Mesmo o NT não tem universidade em relação a isso, mas pode-se dizer que para Paulo a morte de Cristo é a obra da salvação em si. Jesus pregava o reino de Deus e após a Páscoa passou a ser o conteúdo da pregação. Por que? Porque a fé pascal enxerga em Jesus o Deus encarnado, ou melhor, a vida de Deus se identificando com a morte de Jesus. Isso quer dizer que Deus não morreu, apenas identificou-se com a morte de Jesus? Talvez a resposta seja sim, contudo o fato de Deus ter tomado essa atitude de identificar-se com a morte faz com que o não-relacionamento gerado pela morte torne-se em novo relacionamento de Deus com os homens. Esse novo relacionamento consiste em Deus suportar pessoalmente o não-relacionamento que dele alheia os homens. Quando os relacionamentos quebram é aí que Deus entra em ação.

A MORTE DA MORTE – a morte como perpetuação da vida vivida – a morte de Cristo é a morte da morte. Aquele que crê em Cristo ainda que morra viverá, como Cristo triunfou sobre a morte, fará também triunfar seus fieis. A vida finita é eternizada na qualidade de vida finita. Isso não significa imortalidade da alma, mas que se terá participação na própria vida de Deus. Disse um dos Pais da Igreja: o homem como tal não tem além, e nem tem necessidade dele, pois Deus é o seu além.

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