quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Dançando por amor...


Meu amigo Vitor Hugo fez um comentário no texto que escrevi, Aprendendo a dançar, que me lembrou uma reflexão de Stott em seu devocionário A Bíblia toda o ano todo[1]. Stott medita sobre o texto de 1Co 8.1[2], onde temos a questão se o cristão pode ou não comer a carne que outrora foi usada em rituais pagãos. Os fortes sabiam que os ídolos não significavam nada, por isso comiam. Já os fracos, provavelmente recém convertidos que ainda estavam habituados com a idolatria, queriam servir fielmente a Deus apartando-se de tudo que “cheirasse” idolatria.

Ambos estavam corretos, pois de fato os ídolos nada significam, por isso pode-se comer a carne. Correta também é a atitude de não se pactuar com os deuses. No caso dos fortes, o conhecimento precisava ser temperado com amor e no caso dos fracos, o amor a Deus precisava ser fortalecido com mais conhecimento. Stott diz:

O conhecimento traz liberdade (v. 4-8). [...] Logo o amor deve ser um limitador da liberdade (v. 9-13). Se alguém de consciência fraca vê você (uma pessoa de conhecimento) comendo acintosamente em um templo pagão, pode ser induzido a seguir seu exemplo, e ficar com a consciência ferida. [...] a partir desse antigo debate, duas verdades permanecem. Primeiro, as consciências devem ser respeitadas. Elas não são infalíveis. Precisam ser educadas, não feridas. [...] Segundo, o amor limita a liberdade. Nossa consciência, educada pela palavra de Deus, nos da grande liberdade de ação. No entanto, isso não significa que podemos defender a nossa liberdade à custa de outras pessoas. O conhecimento dá liberdade, mas o amor a limita”.[3]

Creio que essa proposição de certa forma norteia a atuação do teólogo na comunidade. Ou seja, eu danço a música por amor, me limito a fim de ensinar o de consciência fraca. Aqui não está em questão o ser melhor ou pior, mas o conhecimento teológico a respeito de Deus. Todos os membros da comunidade pensam teologicamente Deus, e esse pensar determina seu agir. A função do teólogo, ou do educador cristão, é saber comungar a fé com o fraco e, em amor, fortalecer seu conhecimento a respeito de Deus. Esse processo deve ser lento e não invasivo (é aqui que peco constantemente).

Não ignoro o fato de que, em alguns casos, acontecerá o choque, a crise e a divergência, pois existem fracos que se acham fortes e fortes que na verdade são fracos. Outro fator de conflito é a mudança da liderança, pois em igrejas episcopais, é o líder quem “da a cara” da igreja, “escolhe a música” e dita as normas. Os líderes mudam constantemente e sempre deixam suas marcas na comunidade, por isso, o teólogo sempren deve estar ao lado da comunidade, apontando para a palavra de Deus.
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[1] STOTT, John. A Bíblia toda o ano todo: meditações diárias de Gênesis a Apocalipse. Viçosa, MG: Ultimato, 2007. p. 363.
[2] Com respeito aos alimentos sacrificados aos ídolos, sabemos que todos temos conhecimento. O conhecimento traz orgulho, mas o amor edifica.
[3] STOTT, John. A Bíblia toda o ano todo: meditações diárias de Gênesis a Apocalipse. Viçosa, MG: Ultimato, 2007. p. 363.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Aprendendo a dançar

Como acredita o homem, em sua juventude, estar tão perto de seu objetivo! É a mais bela de todas as ilusões com a qual a natureza ampara a fraqueza de nosso ser.” Hölderlin (1797).

Como ainda não cheguei aos 29 anos, sou jovem, de acordo com a ONU. Sou um jovem que a 5 anos entrou numa faculdade de Teologia para melhor servir ao Reino de Deus, inclusive, diga-se de passagem, agora são 2h10 am, e acabei de assistir ao dvd da minha formatura, entre muitas coisas, vi o juramento que fiz antes de colar o grau, e nesse juramento eu disse que serviria a comunidade de fé no que ela precisasse. A foto acima era a paisagem que eu tinha da janela do meu quarto no seminário.

Há menos de dois anos servindo na comunidade, eu cheguei num ponto onde: ou eu me escondo atrás dos livros e me aprisiono na torre de marfim, ou “engulo” alguns sapos e sigo crendo que o teólogo é importante na comunidade. Como disse um de meus mentores: “ou tu agüenta ou tu se estraga; para agüentar precisas engolir o sapo, digerir o sapo e defecar o sapo, para se estragar, basta sair da comunidade”.

De fato, ou eu sirvo a comunidade de fé onde adoro a Deus ou finjo ser teólogo, pois não creio existir teólogo sem comunidade, já o contrário infelizmente acontece! É nesse servir a comunidade que está a minha dificuldade, pois ao servi-la, descubro que não é ela que se molda a mim, mas eu é que me moldo a ela, é ela quem dá as cartas, é ela que formata! Se é a comunidade que toca a música, qual será então o meu papel? Seria o meu papel dançar da melhor maneira possível? Não sei...só sei que não posso falar tudo o que penso, muito menos reclamar da altura do som.

Ao lembrar de minha formatura, tento resgatar aquele entusiasmo que me levou a estudar teologia, aquela paixão de querer trabalhar na causa do Reino, e tento espantar a dura realidade de que servir ao reino de Deus, no meu caso, é servir a uma comunidade local.

O que me deixa feliz e triste nessa história? Ainda sou jovem...

Oh, o homem é um deus quando sonha, mas um mendigo quando reflete; e, quando o entusiasmo acaba, ele fica ali parado, como um filho desgarrado, expulso da casa paterna, observando o miserável centavo que a compaixão jogou em seu caminho” Hölderlin (1797).

Se alguma vez chegamos a admitir as nossas deficiências, fazemos isso por vaidade” La Rochefoucald (1665).

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Aqui eu Mando! parte 2 e final

Na segunda parte dessa reflexão (leia a primeira aqui) sobre os acontecimentos na EBD de uma igreja em Joinville quero esclarecer dois pontos antes de falarmos sobre Autoridade e Poder num viés bíblico e não meramente sociológico como na primeira parte.

1 – Quando disse que o pastor saiu de férias, de forma alguma quis dar a entender que ele abandonou a igreja ao acaso, pelo contrário, como ser humano, pastor também deve desfrutar de férias. Quando escrevo que ele saiu tranqüilo, é porque confiava na pessoa que colocara a frente do trabalho. Tanto que quando o pastor voltou, colocou ordem na casa!

2 – Não tenho nada contra a pessoa que denominei Irmão Mandão, somente contra sua atitude e nem por isso o culpo, pois ele é filho de um sistema onde esse tipo de liderança funcionava.

Vamos ao que interessa!

Quais definições bíblicas de poder e autoridade? A resposta será breve, contudo técnica, mas espero que seja esclarecedora.
Autoridade vem do grego exousiaex – para fora de / ousia – ser, sendo assim, autoridade no sentido puro da palavra grega é aquilo que é inerente ao ser e dele emana (sai para fora). Exousia é utilizada na Bíblia de maneira bem diversa, sendo ora traduzida como direito de agir, habilidade, poder, poder absoluto, autoridade exercida por governantes, etc.[1]. Mas na maioria das vezes seu significado é teológico, e, em última análise, somente Deus possui plena autoridade, sendo que a autoridade que os homens possuem foi delegada por Deus.[2] Sobre obediência as autoridades, leia aqui.
Poder vem do grego dynamis que também é traduzido como força, energia, habilidade, ato poderoso, etc.[3]

Na mesma passagem bíblica onde diz que Cristo recebeu toda a autoridade também diz que ele comissionou seus discípulos para fazerem sua obra (Mt 28.16-20). E no texto áureo de Atos, Cristo diz que receberemos poder para sermos suas testemunhas (At. 1.8), ou seja, a autoridade de Jesus Cristo nos dá poder mediante o Espírito Santo habilitando-nos para a obra de Deus.

Então temos de nos perguntar como Cristo utilizou sua autoridade e poder[4], pois ela servira de molde para nossa ação enquanto discípulos habilitados com poder para testemunhar o evangelho da paz.

Cristo exerceu sua autoridade para perdoar pecados, expulsar espíritos maus, vocacionar discípulos, etc. O que fica claro é que todas as atitudes de Cristo eram regidas pelo amor, Ele usou de autoridade para manifestar amor.
Na tentação ele poderia utilizar o poder para fazer coisas boas, mas elas seria desprovidas de relacionamentos.... assim nosso irmão Mandão quer fazer coisas boas na comunidade, mas está desprovido de amor, e sem amor, o poder destrói.

No evangelho de Lucas, em suas primeiras utilizações, o termo poder refere-se ao poder do Altíssimo que faz uma mulher ficar grávida. Nesse sentido poder refere-se a fecundação que é fruto de intimidade, reciprocidade, quando não é dessa forma é violência, invasão. E o segundo momento onde o termo é empregado é na tentação de Jesus no deserto.

Todas as tentações do diabo instigavam Jesus a utilizar o seu poder, Jesus poderia utilizar seu poder para transformar muitas pedras em pão, e assim, alimentar multidões, governar as nações com poder e equidade e ao ser salvo pelos anjos demonstrar que todos podem confiar em Deus. Mas ele diz não a cada tentação, pois, segundo Peterson, essas manifestações de poder estariam sem o invólucro do amor, seriam o poder aplicado a força, sem contexto de relacionamento e amor, seria um poder por imposição.[5]

E poder do Espírito não acontece por força e violência, de forma impessoal, mas sempre exercido de forma pessoal, com base em relacionamentos. O poder do Espírito Santo não é coercitivo. Depois de ser tentado, Jesus, sempre no poder do ES, sai pelas ruas da Palestina, alimentando famintos, fazendo justiça e utilizando milagres para evangelizar, sempre no contexto da relação, do pessoal e do amor.[6]

Se Jesus Cristo é nosso paradigma de como utilizar o poder que nos foi dado, não preciso falar mais nada.
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[1] GINGRICH, F. W.; DANKER, F.W. Léxico do N.T. grego/português. 1 ed. São Paulo: Vida Nova, 1984. p. 77.
[2] JUDGE, E. A. In: DOUGLAS, J. D. O novo dicionário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1995. p. 171-173.
[3] GINGRICH, F. W.; DANKER, F.W. Léxico do N.T. grego/português. 1 ed. São Paulo: Vida Nova, 1984. p. 60.
[4] Autoridade e Poder se encontravam no ministério terreno de Cristo, pois era homem e Deus simultaneamente.
[5] PETERSON, Eugene H. A maldição do Cristo genérico: a banalização de Jesus na espiritualidade atual. São Paulo: Mundo Cristão, 2007. p. 315-316.
[6] PETERSON, Eugene H. A maldição do Cristo genérico: a banalização de Jesus na espiritualidade atual. São Paulo: Mundo Cristão, 2007. p. 317.

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